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Princípios terapêuticos decorrentes do enfoque psicológico tomista

Fecha Publicación:
Autor/autores: Lamartine Hollanda Cavalcanti Neto

RESUMEN

Este trabalho toma como referência e desenvolve temas abordados em nossa tese de doutorado em bioética, na qual apresentamos a Psicologia Tomista com seus pressupostos, metodologia, conceitos básicos, estrutura teórica e aplicações para algumas áreas do conhecimento.

No presente texto, após recordarmos pressupostos teóricos do enfoque psicológico tomista, analisamos mais detidamente alguns de seus aportes sobre o conceito de normalidade psíquica, sobre a psicopatologia, o psicodiagnóstico, os princípios terapêuticos gerais e as linhas mestras psicoterapêuticas que os mencionados pressupostos permitem deduzir. Examinamos a seguir a cientificidade desse enfoque terapêutico e concluímos com considerações sobre sua utilidade clínica, bem como sobre a conveniência do aprofundamento dos estudos nesta área.


Palabras clave: Psicologia Tomista. Psicoterapia. Psicopatologia.
Tipo de trabajo: Conferencia
Área temática: Psiquiatría general , Psicoterapias .

Médico psiquiatra, doctor en Bioética, profesor de Psicología en el Instituto Filosófico Aristotélico Tomista

PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS DECORRENTES DO ENFOQUE PSICOLÓGICO TOMISTA
THERAPEUTIC PRINCIPLES ARISING FROM THOMISTIC PSYCHOLOGICAL APPROACH
Lamartine de Hollanda Cavalcanti Neto
Médico psiquiatra, professor de Psicologia no Instituto Filosófico Aristotélico-Tomista, especialista em
Teologia Tomista pelo Centro Universitário Ítalo Brasileiro e doutor em Bioética pelo Centro
Universitário São Camilo (todos situados em São Paulo, Brasil).
lamartine. cavalcanti@gmail. com
Psicologia Tomista. psicoterapia. Psicopatologia.
Thomistic Psychology. Psychotherapy. Psychopathology.
psicología Tomista. psicoterapia. psicopatología.

RESUMEN
Este trabajo toma como referencia y desarrolla temas tratados en nuestra tesis doctoral en la
bioética, en la que presentamos la psicología Tomista con sus supuestos, metodología, conceptos
básicos, marco teórico, aplicaciones y consecuencias en muchas áreas del conocimiento. En el
presente texto, tras recordar brevemente algunos de los supuestos teóricos del enfoque psicológico
tomista, analizamos más de cerca algunas de sus aportaciones en relación con el concepto de
normalidad psíquica, la psicopatología, el psicodiagnóstico, los principios terapéuticos generales y los
lineamientos psicoterapéuticos que los mencionados supuestos permiten deducir. Examinamos, a
continuación, la cientificidad de este enfoque terapéutico y concluimos con consideraciones sobre su
utilidad clínica, así como la conveniencia de estudios más profundos en esa área.

ABSTRACT
This work takes as reference and develops themes addressed in my doctoral thesis in
bioethics, in which I present the Thomistic Psychology with its assumptions, methodology, basic
concepts, theoretical framework, and applications to some areas of knowledge. In this paper, after
briefly recalling theoretical presuppositions of the Thomistic psychological approach, I analyze more
closely some of its contributions on the concept of psychic normality, psychopathology,
psychodiagnostic, general therapeutic principles and psychotherapeutic general lines that mentioned
assumptions allow deducing. I examine below the scientificity of this therapeutic approach and I
conclude with considerations on its clinical utility, as well as the convenience of more detailed
researches in this area.

RESUMO
Este trabajo toma como referencia y desarrolla temas tratados en nuestra tesis doctoral en la
bioética, en la que presentamos la psicología Tomista con sus supuestos, metodología, conceptos
básicos, marco teórico, aplicaciones y consecuencias en muchas áreas del conocimiento. En el
presente texto, tras recordar brevemente algunos de los supuestos teóricos del enfoque psicológico
tomista, analizamos más de cerca algunas de sus aportaciones en relación con el concepto de
normalidad psíquica, la psicopatología, el psicodiagnóstico, los principios terapéuticos generales y los
lineamientos psicoterapéuticos que los mencionados supuestos permiten deducir. Examinamos, a
continuación, la cientificidad de este enfoque terapéutico y concluimos con consideraciones sobre su
utilidad clínica, así como la conveniencia de estudios más profundos en esa área.

A Psiquiatria e a Psicologia estavam muito longe de adquirir suas respectivas configurações
contemporâneas na época em que São Tomás de Aquino escreveu suas obras. Os enfoques
epistemológicos, metodológicos e científicos do Doutor Angélico, ademais, eram notavelmente
diferentes dos atuais. Nem sequer o termo psicologia existia então, como asseveram Braghirolli et al.
(2005) ou Brennan (1969), por exemplo, tendo sido cunhado apenas no século XVI.
Os princípios filosóficos desenvolvidos pelo Doutor Comum, entretanto, são de tal maneira
dotados de coerência com a realidade, e, em consequência, de riqueza de consequências práticas, que
dão ocasião a reflexões e desenvolvimentos aplicáveis até mesmo à terapêutica na área da saúde
mental.
O presente trabalho desenvolve e adapta excertos de nossa tese de doutorado em bioética
(CAVALCANTI NETO, 2012), 1 na qual analisamos, com a devida profundidade, a Psicologia Tomista,
apresentando seus pressupostos, sua metodologia, seus conceitos básicos, sua estrutura teórica, suas
aplicações e consequências em diversas áreas do conhecimento, além do exame de possíveis objeções
à sua validade científica.
Impossibilitados de resumir aqui tamanha quantidade de informações, remetemos o leitor
interessado ao texto integral da mesma, cujo acesso é facilitado pelo fato de estar disponível na
internet, sempre que se façam necessários maiores esclarecimentos sobre aspectos referentes ao
tema que não sejam tratados aqui com suficiente penetração.
Quem deseje obter maiores informações sobre os pressupostos tomistas necessários à
completa compreensão das reflexões que serão aqui apresentadas também poderá obtê-las primordial
e diretamente nas Obras de São Tomás, 2 bem como em trabalhos de autores como Andereggen
(2005), Barbado (1943), Brennan (1960, 1969), Butera (2010a, 2010b), Cantin (1948), Cavalcanti
Neto (2010, 2012, 2013), Clá Dias (2009, 2010), Collin (1949), DeRobertis (2011), Echavarría (2004,
2005a, 2005b, 2006, 2007, 2009), Faitanin (20--a, 20--b, 2007, 2008, 2010), Gallo (20--), Gardeil
(1967), Garrigou-Lagrange (1944), Gilson (1939, 1986), Kinghorn (2011), Krapf (1943), Megone
(2010), Mercier (1942), Thompson (2005), Verneaux (1969), Zaragüeta Bengoetxea (1925), entre
muitos outros.
Convém deixar claro desde o princípio que não pretendemos formular propostas terapêuticas
estruturadas nem técnicas específicas. A dificuldade em encontrar referências bibliográficas
específicas, bem como a necessidade de um maior aprofundamento na vastíssima Obra de São Tomás,

1Cujo texto está disponível no site: http://philpapers. org/rec/CAVCDP-2.

2São Tomás de Aquino (1959, 2000, 2001, 2002) expõe sua doutrina sobre a alma humana em diversas partes de várias

de suas Obras. Porém é na primeira parte de Suma Teológica, bem como em livros como Sentencia in Aristotelis libri De Anima,
O ente e a essência, Cuestiones disputadas sobre el alma que podemos encontrá-la com mais facilidade. O conjunto de suas
Obras, ou Opera Omnia, pode ser localizado no site http://www. corpusthomisticum. org/.
aliadas à falta de dados empíricos metodologicamente reunidos, nos obrigam a limitarmo-nos ao
delineamento dos princípios gerais terapêuticos que se podem deduzir dos pressupostos tomistas.
Tal esboço, entretanto, poderá servir de base e de estímulo para novos estudos sobre a
matéria, tanto mais necessários quanto mais se pode entrever sua utilidade concreta. É este, aliás, o
principal objetivo do presente texto, que não visa senão a contribuir ao esforço conjunto que, ao
mesmo tempo, almeja estimular.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
O princípio filosófico básico para compreender as reflexões que se depreendem dos
ensinamentos do Aquinate em matéria de Psicologia é a constatação, já oferecida por Aristóteles
(2005) no seu IX livro da Metafísica, de que o ser humano é um composto de forma e matéria.
Aristóteles considerava o homem, assim como as demais criaturas materiais, como um composto
hilemórfico, palavra que vem do Grego, formada por hyle, ou matéria, e morphe, ou forma. Em outros
termos, considerava que todos os corpos materiais são compostos por forma (ou informação, na
linguagem de nossos dias) e matéria.
Embora possa parecer um arcaico princípio metafísico, desprezível para a ciência moderna,
trata-se de uma das mais geniais descobertas da razão humana, sem a qual, por exemplo, toda a
civilização baseada na informática, na qual vivemos, seria impossível. Pois, para funcionar, qualquer
computador necessita ter sua materialidade, ou hardware, e sua formalidade, que inclui os softwares.
Embora o exemplo possa não ser exato do ponto de vista filosófico estrito, pois a forma e a matéria
são necessárias também para a existência do próprio hardware, ele pode servir para dar uma ideia de
uma das inúmeras consequências práticas dessa interessante teoria.
Também podem servir para ilustrar o acerto e a atualidade da concepção hilemórfica
aristotélica as pesquisas sobre o genoma, tanto humano, quanto de outros seres vivos. Pois o que
elas procuram é justamente a informação, ou forma na linguagem metafísica, que transparece no
código genético das diversas espécies. Forma esta que determinará a configuração e o funcionamento
dos corpos materiais que elas informam.
Outro princípio da metafísica aristotélica no qual se baseia o Doutor Angélico é o de que os
compostos hilemórficos são dotados de potências (ou faculdades), as quais organizam e põem em
movimento a matéria, dando origem aos seus atos. Se algo existe em ato é porque existe uma
potência que o possibilita. Esta é a razão pela qual uma pedra não pode mover-se por si mesma,
enquanto um animal o pode: a primeira não dispõe de uma potência locomotora, enquanto os animais,
em seu estado normal, dela dispõem.
Essa outra aparente antiguidade histórica nos permite compreender melhor o objeto da
Psicologia. A ciência contemporânea considera que seu objeto é o comportamento. Mas o mencionado
princípio nos permite entender este último como a sucessão dos atos humanos e sua estruturação sob
a forma de hábitos, atos estes que existem por conta das potências que os possibilitam. Permite-nos
perceber também que a investigação psicológica se autolimita quando para na observação e
experimentação exclusiva do comportamento, e não se interessa pelas potências humanas que estão
na raiz do mesmo.
Não haveria espaço aqui para apresentar toda a concepção tomista sobre as potências do
homem, suas interações, seu dinamismo e sua relação com o comportamento. O conhecimento desses
pressupostos, entretanto, é pelo menos muito conveniente para a completa compreensão das
reflexões que se seguirão. Os que desejarem maiores informações sobre o assunto poderão encontrálas sem dificuldade na tese acima mencionada (CAVALCANTI NETO, 2012), que procura sintetizar a
bibliografia indicada para o mesmo propósito. Tentaremos, contudo, desenvolver as observações e
raciocínios concernentes ao nosso tema de modo que mesmo os que estejam desprovidos dos
pressupostos sobre a referida concepção possa acompanhá-los com razoável facilidade.

EQUILÍBRIO E DESEQUILÍBRIO MENTAL
Aplicando ao ser humano os pressupostos filosóficos mencionados, e com base ainda em outros
elementos do arcabouço doutrinário de Aristóteles (2011), São Tomás entende o componente formal
do ser humano como o responsável pela vitalidade, organização, individuação e autorregulação do
componente material. Por essa razão, o Doutor Angélico dedicou boa parte de seus estudos a esse
elemento formal, que ele denomina alma ou princípio intelectivo:
É necessário dizer que o intelecto, princípio da ação intelectiva, é a forma do corpo
humano. Aquilo pelo qual uma coisa, por primeiro, age é sua forma; a ela é atribuída a
ação. [. . . ] Por essa razão: porque nada age senão na medida em que está em ato, por
isso, pelo que uma coisa está em ato por ele age. [. . . ] Ela [a alma] é, pois, o primeiro
pelo qual nos alimentamos e sentimos, pelo qual nos movemos localmente e igualmente
pelo qual, por primeiro, conhecemos. Por conseguinte, esse princípio, pelo qual, por
primeiro, conhecemos, quer se diga intelecto ou alma intelectiva, é a forma do corpo. ­
Tal é a demonstração de Aristóteles. (SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2002, p. 374. S. Th. , I,
q. 76, a. 1). 3

Entendendo a alma como a forma do corpo, ele deduz que nela se radicam as potências que
permitem ao composto hilemórfico humano produzir seus atos e hábitos. Ele enumera as seguintes
potências: as cognoscitivas, que subdivide em inteligência, sentidos internos (sentido comum,
imaginação, memória e cogitativa) e sentidos externos; as apetitivas, que reparte em apetite racional,

3Nas citações das Obras de São Tomás de Aquino, tentaremos conciliar as normas de referências bibliográficas
contemporâneas com as clássicas, acrescentando a abreviação do nome da obra, bem como a parte (em números romanos),
questão e artigos (em números arábicos) em que se situa o trecho citado. S. Th. é a abreviação de Summa Theologiae, ou Suma
Teológica.

apetite sensitivo e apetite natural; a potência locomotora e a vegetativa.
Ele mostra também que, para que estas potências possam permitir normalmente a realização
dos seus atos, elas precisam funcionar segundo sua ordem intrínseca, isto é, a inteligência governando
a vontade, e esta, os sentidos (externos e internos), bem como os demais apetites, a potência
locomotora e a vegetativa. 4
Essa hierarquia das potências humanas favorece a realização de atos equilibrados, os quais
produzirão hábitos saudáveis e virtuosos que se reforçam retroativamente, propiciando uma adequada
capacidade de ajustamento face aos fatores desestabilizantes que podem ocorrer ao longo da vida.
Este estado de sanidade decorre da harmonia entre os componentes da natureza hilemórfica do
homem, isto é, de sua estrutura biológico-material e da sua realidade formal. Em consequência,
qualquer alteração significativa em algum deles pode prejudicar tal sanidade. 5
A adequada operação dessas potências propicia o equilibrado funcionamento dos atos e dos
hábitos, e, portanto, do comportamento, que é a resultante deles, bem como da materialidade
executora desses atos, que é o organismo biológico. O equilíbrio comportamental está, pois, ligado ao
biológico, num sistema de interação recíproca. 6

E se ambos dependem da ordenação das potências, pode-se dizer que, em última análise, o
equilíbrio ou a saúde, no seu sentido mais amplo, também depende dela. Em sentido contrário, os
diversos graus de desequilíbrio são decorrentes das falhas na referida ordenação. Em termos tomistas,
o equilíbrio mental pode ser entendido, portanto, como o equilíbrio decorrente da devida ordenação
das potências do ser humano. E deste equilíbrio mental decorrerá o comportamental, bem como, em
maior ou menor grau, o biológico.
Um exemplo concreto pode facilitar a compreensão dessa tese. Uma pessoa que reaja com
explosões temperamentais a estímulos de pequena monta na interação social pode ser considerada
como portadora de algum tipo de desequilíbrio emocional. A explosão emocional pode ser entendida,
em termos tomistas, como uma conduta determinada pelo apetite sensitivo, potência cujos atos São
Tomás chama de paixões (ou na terminologia hodierna, as emoções). Conduta esta na qual essas
emoções não se desenvolvem em conformidade com o que a inteligência, em seu estado normal,
identificaria como razoável. Ou ainda, mesmo que o intelecto mostre a não razoabilidade de sua

4

A potência vegetativa e as funções da vida vegetativa, por estarem em boa parte sob o controle do sistema nervoso

autônomo, são, naturalmente, menos moduláveis pela vontade.
5

A síntese que acabamos de apresentar baseia-se completamente nos ensinamentos de São Tomás, bem como em aportes
de seus comentaristas. Escusamo-nos de apresentar aqui as referências das Obras do Doutor Angélico em que tais ensinamentos
são apresentados, bem como as dos comentaristas, para evitar a inclusão de um grande número de citações, o qual seria
incompatível, ademais, com o objetivo sintético da mesma apresentação.
6É o que sustentam, aliás, os autores ligados à Medicina psicossomática. Podemos encontrar argumentos em favor dessa
proposição em trabalhos como os de Mello Filho e Burd (2010), Paiva e Silva (1994) ou Pinheiro (1992), por exemplo. Vale
notar que tais autores estão muito longe de serem considerados tomistas, e, por isso mesmo, são insuspeitos de parcialidade ou
viés em suas proposições.
reação, a vontade não tem força suficiente para moderar tais emoções, e acaba cedendo às mesmas.
Em suma, essa pessoa estará emocionalmente desequilibrada porque sua inteligência não estará
governando a vontade, e esta não estará comandando o apetite sensitivo, nem os sentidos externos,
nem, principalmente, os internos. Sempre que essa ordenação interior das potências estiver
desordenada, seus atos e hábitos tenderão a estar desajustados. Consequentemente, também o
comportamento (fruto desses atos e hábitos) e, mais cedo ou mais tarde, o equilíbrio biológico
tenderão ao desequilíbrio. 7

APORTES TOMISTAS SOBRE A PSICOPATOLOGIA
Temos bem presente, contudo, que as concepções sobre equilíbrio e desequilíbrio psíquicos
que acabamos de expor estão longe de serem consideradas uma unanimidade nas ciências
psicológicas contemporâneas. Não entramos aqui na discussão da validade científica dessas
concepções sobre este ponto específico porque, de um lado, já o fizemos com adequada profundidade
em outro trabalho (CAVALCANTI NETO, 2012) e, de outro, porque seria necessário um artigo
completamente dedicado ao tema, dada a sua extensão.
Temos presente também que o próprio conceito de mente encontra-se sob discussão
em nossos dias, como se pode inferir de proposições como a de Marmer (2006, p. 116), para quem "a
nova era da psiquiatria científica" dispensaria as teorias da mente, por considerar as enfermidades
mentais como meros transtornos neuro-anátomo-fisiológicos. Proposição que coloca em cheque,
consequentemente, também o conceito de psicopatologia.
Conceito este, sem embargo, que outros continuam a considerar como um setor solidamente
definido na Psicologia, que se ocuparia dos "fenômenos psíquicos patológicos e da personalidade
desajustada" (BRAGHIROLLI et al. , 2005, p. 201). E que vários preferem situar dentro do enfoque
fenomenológico, como Callieri, Maldonato e Di Petta (1999), Messas (2012), Tatossian e Moreira
(2012) ou Zannetti (2009), entre outros.
Física, cronológica e doutrinariamente distante dessa discussão, entretanto, São Tomás de
Aquino formulou uma concepção que permite um interessante aprofundamento do próprio conceito
de doença mental e, portanto, da sua etiopatogenia.
Como vimos acima, seu enfoque epistemológico não se limita ao estudo dos chamados
fenômenos mentais, ou seja, daquilo que aparece como observável, mas possibilita aprofundar até à
sua raiz ontológica, ao investigar as potências que possibilitam a realização dos referidos `fenômenos'.
Para entendermos melhor o conceito de enfermidade mental que se pode depreender desse seu

Haveria ainda muito que aduzir sobre a concepção de São Tomás sobre a saúde e a doença mental. O leitor que deseje
encontrar mais elementos sobre este ponto específico, incluindo os aportes do Doutor Comum à psicopatologia e à terapêutica
das enfermidades mentais, poderá encontrá-los em trabalhos como os de Echavarría (2005a, 2005b, 2006, 2007, 2009) ou Krapf
(1943), por exemplo.
enfoque, entretanto, é necessário penetrar um pouco mais na sua concepção sobre o elemento formal
do ser humano.
São Tomás considera que "o princípio da operação do intelecto, que é a alma humana, é um
princípio incorpóreo e subsistente" (SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2002, p. 358. S. Th. , I, q. 75, a. 2). Ele
o comprova com o seguinte raciocínio:
É claro que o homem pode conhecer, pelo intelecto, a natureza de todos os corpos.
Para que possa conhecer algo, não se deve possuir nada em si de sua natureza, porque
tudo aquilo que lhe fosse por natureza inerente o impediria de conhecer outras coisas.
[. . . ] Assim, se o princípio intelectual tivesse em si a natureza de algum corpo, não poderia
conhecer todos os corpos. Cada corpo tem uma natureza determinada, sendo, por isso,
impossível que o princípio intelectual seja corpo. É igualmente impossível que se o
entenda por um órgão corpóreo, porque a natureza própria daquele órgão corpóreo
impediria o conhecimento de todos os corpos. [. . . ] Portanto, o princípio intelectual, que
se chama mente ou intelecto, opera por si sem participação do corpo. Ora, nada pode
operar por si, a não ser que subsista por si. Somente o ente em ato pode operar, e por
isso uma coisa opera segundo o modo pelo qual é. (SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2002, p.
358-359. S. Th. , I, q. 75, a. 2).

O Doutor Angélico desenvolve essa noção de subsistencialidade mostrando que, por se tratar
de uma realidade puramente formal e subsistente, a alma humana é incorruptível, pois só poderia se
corromper, se se corrompesse por si, o que é impossível:
Que isso aconteça é absolutamente impossível, não só para alma humana, como
também para todo subsistente que é só forma. Com efeito, é claro que aquilo que por si
convém a uma coisa é inseparável dela. Ora, ser por si convém à forma, que é ato. Por
isso a matéria recebe o ser em ato ao receber a forma, e, assim, acontece que ela se
corrompe ao se separar dela a forma. Ademais, é impossível que a forma se separe de si
mesma. Por isso é impossível que a forma subsistente cesse de ser. (SÃO TOMÁS DE
AQUINO, 2002, p. 367. S. Th. , I, q. 75, a. 6).

Visto que o ser humano não tem um conhecimento inato da verdade, faz-se necessário que,
"com a ajuda dos sentidos, ela o retire da multiplicidade das coisas" (SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2002,
p. 392. S. Th. , I, q. 76, a. 5). E por essa razão
Era preciso, portanto, que a alma intelectiva possuísse não só o poder de conhecer,
mas ainda o de sentir; e, visto que a ação do sentido não se realiza sem um órgão
corporal, era necessário que a alma intelectiva estivesse unida a um corpo apto a servir
de órgão para os sentidos. (SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2002, p. 392. S. Th. , I, q. 76, a. 5).

Procuremos, então, sintetizar os pressupostos da concepção tomista:

O princípio intelectivo, ou alma, é a forma do corpo.

Esta forma é subsistente, isto é, capaz de existir por si sem depender de outra criatura para
isso.

Por ser uma forma subsistente, ela é incorruptível, pois para se corromper, precisaria se
separar de si mesma, e isto é impossível.

Como é evidente, a alma não tem conhecimento inato da realidade. Por não ter este
conhecimento inato, nem poder conhecer imediatamente a realidade material por sua
própria natureza, necessita estar unida ao corpo para poder conhecer e viver.

Põe-se, então, um primeiro problema. Se a alma é incorruptível e toda doença é uma forma de
corrupção, como ela pode adoecer? Como se pode falar de uma enfermidade psíquica, isto é, da alma?
Deve-se, pois, concluir que, no caso das doenças mentais, quem adoece é o corpo, como sustentam
as correntes biológicas ou somaticistas?
Dentre os (infelizmente) poucos autores que se interessaram pela questão, alguns parecem
chegar a esta conclusão, a nosso ver equivocada. Alonso-Fernández, por exemplo, ao apresentar a
interpretação que Wyrsch (1956, 1957) dá a essa concepção do Aquinate, comenta que "o outro
problema no qual as teses tomista e cartesiana são beligerantes se refere à natureza da enfermidade
psíquica" (ALONSO-FERNÁNDEZ, 1979, v. 1, p. 28, tradução nossa) parecendo, assim, associar-se ao
parecer do mesmo Wyrsch, para o qual:
Não há mais que psicoses orgânicas. A alma é indestrutível e não pode ser afetada
pela enfermidade. Só o corpo, do qual ela é a forma, pode sucumbir à enfermidade, e
nesse momento, as manifestações da alma resultam alteradas. (WYRSCH, 1956, apud
ALONSO-FERNÁNDEZ, 1979, v. 1, p. 28, tradução nossa).

Donde o mesmo Wyrsch concluir que "Tomás e os escolásticos não são, por conseguinte, como
se poderia supor pela aparência espiritualista da Idade Média, os precursores dos `psiquistas', mas
dos somaticistas do século XIX". (WYRSCH, 1957, apud ALONSO-FERNÁNDEZ, 1979, v. 1, p. 28,
tradução nossa).
A nosso ver, esta interpretação parece um tanto simplista. O Doutor Angélico não foi `precursor'
nem de uns, nem de outros pela simples razão de que sua epistemologia era de cunho hilemórfico, de
influência aristotélica portanto, e nunca dicotômica, como a platônica, a cartesiana e a dos ligados à
herança filosófica destes. Razão pela qual sua concepção leva em consideração não somente a alma,
mas também o corpo, o que tem consequências tanto no que diz respeito à personalidade, à
psicopatologia e à terapêutica. Podemos encontrar opiniões procedentes de diversas escolas
psiquiátricas e psicológicas que dão apoio ao nosso parecer.
O próprio Alonso-Fernández, por exemplo, sustenta que:

TOMÁS DE AQUINO y René DESCARTES, em frase de ROTH (1966), são rivais
antropológicos em psiquiatria. Esta rivalidade se manifesta, especialmente, em dois
problemas. Em primeiro lugar, no das relações entre a alma e o corpo ou, mais
particularmente, entre o cérebro e o pensamento. Frente à dicotomia cartesiana da "res
extensa" (objeto, mundo ou corpo) e "res cogitans" (sujeito ou pensamento consciente),
aparece a tese tomista da unidade substancial, integrada por duas substâncias parciais:
a alma ou forma do corpo e a matéria. O dualismo cartesiano, por via do monismo
materialista, é a base antropológica das concepções mecanicistas da atividade do cérebro.
(ALONSO-FERNÁNDEZ, 1979, v. 1, p. 29, maiúsculas do original, tradução nossa).

Posição análoga tem Aviel Goodman (1991, 1997) que propõe uma teoria da unidade orgânica
integradora do corpo e da mente para a Psiquiatria, entendendo que esta tem como campo de ação
"a interseção e síntese potencial de perspectivas oferecidas pela fisiologia, psicologia e filosofia"
(GOODMAN, 1991, p. 553, tradução nossa), sugerindo que essa inter-relação tanto mais se
desenvolverá, quanto maior for essa visão integradora.
Goodman sustenta ainda, respaldando-se em vários outros autores, que a divisão entre
componentes psíquicos (psicodinâmicos,  interpessoais e sociais) e físicos (biológicos e comportamentais) põe em risco a integridade da Psiquiatria como ciência: "o potencial da psiquiatria
como uma ciência integradora tem sido impedido por um cisma interno, que deriva da dualidade entre
o mental e o físico" (GOODMAN, 1997, p. 357, tradução nossa).

Outro autor que critica tal dicotomia é Carr (1996), que a atribui a uma resistência ao modelo
biopsicossocial da assistência à saúde, presente, hoje em dia, tanto nos cursos de Ciências da Saúde,
quanto nos diversos ramos em que se subdivida sua prática profissional. Carr (1996) põe em relevo
o fato de que esses mesmos profissionais estão na origem do problema, por sua adesão, ainda que
não consciente, à dualidade filosófica mente-corpo proposta por Descartes no século XVII.
Recorrendo à concepção tomista, entretanto, podemos encontrar distinções e explicitações
conceituais, de cunho filosófico, que podem ajudar a elucidar a questão. Uma forma `enferma' deixaria
de ser, metafisicamente, aquela determinada forma. Podemos exemplificar com um vaso quebrado.
A partir do momento em que a quebra desfaça a sua forma (aliás, não subsistente), ele deixaria de
ser vaso por não ter mais a forma de vaso.
Ora, a alma humana, que é substancial e subsistente como acima vimos, não pode, por isso
mesmo, se modificar substancialmente. Dentre as potências da alma, apenas a inteligência e a
vontade são puramente espirituais, isto é, não dependem de um órgão material específico para existir,
ao contrário das demais potências. Donde se pode concluir que a inteligência e a vontade, enquanto
potências, continuam intactas, mesmo quando o indivíduo está comportamental e/ou psiquicamente
enfermo.
Essa proposição, que poderia parecer absurda quando pensamos num esquizofrênico em
atividade delirante, ou num deprimido grave que sequer se levanta do leito, tem, entretanto, uma
explicação simples.
O ser humano é, como vimos, um composto hilemórfico de alma e de corpo. Sua alma, através
do corpo, recebe as informações fornecidas pelos sentidos externos, que são `virtualizadas' pelos
internos, que vão desencadear a ação imediata do apetite sensitivo e da cogitativa (que desencadeia
os instintos). Com base em tais informações, a inteligência trata de entender, julgar e raciocinar, para
apresentar à vontade aquilo que ela deve escolher e decidir, e assim governar as mencionadas
potências inferiores, bem como a locomotora e, indiretamente, a vegetativa, estabelecendo o processo
que Brennan (1969) chama de ciclo da vida consciente.

Por essa razão, se houver alguma alteração material significativa no organismo que prejudique
esse dinamismo, como, por exemplo, uma intoxicação, um traumatismo, uma enfermidade
neurológica ou endocrinológica, por mais que o intelecto e a volição continuem potencialmente
intactos, como realidades formais incorruptíveis que são, eles não terão as condições adequadas, ou
mesmo necessárias, para funcionar normalmente. Essa é a razão pela qual, quando a enfermidade
orgânica é apenas passageira e permite a recuperação da materialidade injuriada, a inteligência e a
vontade podem voltar a operar como antes.
É fato de observação corrente, entretanto, que existem muitos casos em que apesar da
materialidade orgânica da pessoa estar perfeitamente normal, tanto do ponto de vista clínico, quanto
do laboratorial, ela pode apresentar desajustes psíquicos e/ou comportamentais. Desajustes estes
que poderão ser frutos de cognições e volições inadequadas, isto é, embora sua inteligência e sua
vontade permaneçam substancialmente intactas, seu funcionamento pode não o estar.
Segundo a concepção tomista isso se deve ao fato da vontade dispor de livre arbítrio e, assim,
poder escolher usar tanto a inteligência, quanto a própria vontade de maneira parcial ou até
totalmente inadequada às suas finalidades. Como, entretanto, a potência volitiva depende da
intelectiva, convém examinar se esta pode falhar, e como.
Baseando-se no III livro De Anima de Aristóteles, São Tomás trata especificamente dessa
questão na primeira parte da Suma Teológica, questão 85, artigo 6. Ele mostra que o conhecimento
humano tem uma fase sensitiva (propiciada pelos sentidos externos e internos) que é pré-racional, e
outra intelectiva. Esta última progride da simples apreensão da quididade do objeto conhecido (ou
seja, aquilo que ele é, quid est, em Latim), passando pelos juízos até chegar aos raciocínios ou
inferências.
Analisando esse processo, que ele chama de conhecimento discursivo porque se faz compondo
e dividindo os dados da realidade, 8 São Tomás aponta onde pode ocorrer o erro:
Os sentidos não se enganam a respeito de seu objeto próprio, assim a vista em
relação à cor, a não ser talvez por acidente, em razão de um impedimento proveniente
do órgão. [. . . ] A razão dessa retidão dos sentidos é clara. Toda potência, enquanto tal,
está por si ordenada ao seu objeto próprio. [. . . ] O objeto próprio do intelecto é a
qüididade. Por isso, falando de maneira absoluta, o intelecto não erra sobre a qüididade
da coisa. Mas o intelecto pode enganar-se sobre os elementos que têm relação com a
essência ou qüididade, quando ele ordena um elemento para o outro, por composição,

8

Cf. S. Th. , I. q. 85, a. 5, co.
divisão ou mesmo raciocínio. Por isso, o intelecto tampouco pode se enganar sobre as
proposições, que são imediatamente compreendidas desde que se compreende a
qüididade dos termos, como acontece com os primeiros princípios. São eles que
asseguram a verdade das conclusões, no que se refere à certeza da ciência. Pode,
entretanto, o intelecto se enganar acidentalmente sobre a qüididade nas coisas
compostas. Isso não se deve a um órgão, pois o intelecto não é uma faculdade que usa
um órgão, mas à composição que é requerida para uma definição; ou porque a definição
de uma coisa é falsa a respeito da outra, por exemplo, a definição do círculo aplicada ao
triângulo; ou porque uma definição é em si mesma falsa, implicando uma composição
impossível, por exemplo, se se toma como definição de uma coisa: animal racional alado.
Por conseguinte, não podemos nos enganar quando se trata de coisas simples, em cuja
definição não pode haver composição, mas nos enganamos não as apreendendo
totalmente, como diz o livro IX da Metafísica. (SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2002, p. 539540. S. Th. I, q. 85, a. 6. Itálicos do original).

Sintetizando, podemos dizer que, segundo o Aquinate, as falhas significativas no processo
cognitivo podem se verificar quando se trata da composição ou divisão dos dados da realidade, isto
é, dos julgamentos, ou, na etapa seguinte, das inferências ou raciocínios, seja por comparar
julgamentos falsos, seja por tirar conclusões de modo imperfeito.
É dessa forma que se pode compreender afirmações aparentemente contraditórias que ele faz
quando diz que "deve-se dizer que o Filósofo diz que o falso está na mente que compõe e divide" (SÃO
TOMÁS DE AQUINO, 2002, p. 540. S. Th. , I, q. 85, a. 6, ad 1ª) e que "a verdade está no intelecto que
compõe e que divide" (SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2002, p. 362. S. Th. , I, q. 16, a. 2). A contradição é
apenas aparente porque, como acabamos de comprovar, seu ensinamento é de que e justamente no
processo de composição e divisão que o indivíduo tanto pode errar, quanto acertar.
Aqui se põe outra pergunta decisiva: o que levaria o indivíduo a errar? Dado que o homem não
é um ser perfeito, sua inteligência pode errar por debilidade ou insuficiência da maturação neurológica
necessária para seu perfeito funcionamento, como pode ocorrer com crianças, oligofrênicos ou
pacientes com sequelas neurológicas. Em tais casos o erro intelectivo de origem orgânica em geral
importará também em algum grau de distúrbio comportamental e/ou mental.
Mas a inteligência pode errar também por falta de informações suficientes, ou de adequada
compreensão (principalmente no caso das quididades compostas, como referido pelo Doutor
Angélico), ou por inabilidade na aplicação das informações apreendidas, como no caso do erro de
julgamento e de raciocínio. Tais erros, entretanto, são perfeitamente compatíveis com o estado de
normalidade psíquica: um aluno que se sai mal num exame não pode ser, apenas por isso, classificado
como doente mental.
A inteligência pode errar ainda por influência retroativa da vontade. Embora o Aquinate
sustente que "de maneira absoluta, o intelecto é mais nobre que a vontade" (SÃO TOMÁS DE AQUINO,
2002, p. 480. S. Th. , I, q. 82, a. 3), ele mostra que a vontade também pode mover o intelecto. 9
9

S. Th. , I. q. 82, a. 4.

Ademais, tratando do apetite sensitivo (que dá origem às emoções, ou paixões na terminologia
tomista), ele recorda o fato de observação corrente de que este também pode mover a vontade, e,
portanto, a inteligência, embora o normal e o desejável fosse o contrário. 10 Apetite sensitivo este, por
sua vez, que é desencadeados pela potência cogitativa, 11 que é o mais elevado dos sentidos internos,
responsável pela identificação (pré-racional) da utilidade ou nocividade imediata do objeto conhecido
ao sujeito conhecedor.
A vontade será então mobilizada por duas vias, pela intelectiva e pela sensitivo-apetitiva. Nesta
segunda via, a vontade será movida pelos sentidos internos e, dentre estes, em especial pela
cogitativa, que desencadeia os instintos, bem como pelo apetite sensitivo, que desencadeia as paixões
(emoções). Dependendo da intensidade de tais mobilizações, a vontade pode não querer seguir os
que lhe mostra como razoável a inteligência. Pode mesmo mover o intelecto em sentido contrário ao
da razão, levando-o a procurar fabricar justificativas racionais ou pseudoracionais para seus apetites
desordenados.
É por essa razão que uma pessoa, mesmo apreendendo inequivocamente as quididades das
coisas, poderá fazer composições e divisões, isto é, julgamentos e inferências de tal maneira que
procurará atender primordialmente às suas inclinações sensitivo-emocionais, apesar da inalterável
evidência da quididade que conheceu, bem como dos primeiros princípios12 que lhe mostram a
irracionalidade da sua escolha ou decisão.
Estamos, portanto, diante de um desequilíbrio na hierarquia das potências, pois o móvel desse
erro é a submissão da inteligência aos instintos (oriundos da cogitativa) e às emoções (procedentes
do apetite sensitivo). Ou seja, fruto do amor desordenado a si mesmo, desconectado do amor ao bem
universal e completo, dado que o amor é a primeira emoção (ou paixão) que põe em movimento as
demais. 13
O amor egocêntrico a um bem imediato e contingente, portanto, pode levar o indivíduo a optar,
voluntariamente, por não amar o Bem necessário que lhe daria uma participação mais completa no
ser. Ao formular juízos e raciocínios para tentar justificar essa opção, de modo a tentar torná-la
aparentemente compatível com os primeiros princípios, a inteligência irá se habituando a funcionar
de modo inadequado.
Este hábito, com o passar do tempo, terá um efeito retroativo sobre as paixões e o apetite
sensitivo, tornando-o cada vez mais dominante. Dada a hilemorficidade do ser humano, esse
10

S. Th. , I, q. 81, a. 3.

11

S. Th. , I, q. 81, a. 3

12

Segundo São Tomás, os primeiros princípios da razão estão, por assim dizer, inscritos na natureza humana e, por essa

razão, são tidos como evidentes, dispensando demonstração. Dentre estes princípios está o de que uma coisa não pode ser e não
ser ao mesmo tempo, bem como os que decorrem desta evidência primeira. O Doutor Comum se ocupa deles em várias de suas
Obras, como, por exemplo, na Summa Theologiae, I-II, q. 94, a. 2; no De Veritate, q. 14, a. 2, c. ; na Summa Contra Gentiles, L.
4, c. 11; no De Magistro, a. 1; ou no Commentarii in quatuor Libros Sententiarum Petri Lombardi, L. II, d. 39, q. 2, a. 2, ad. 4.
13

S. Th. , I-II, q. 25, a. 2 e a. 3.
funcionamento contrário à normal hierarquia das potências acabará por influenciar até mesmo seu
organismo biológico, inclusive a nível neurofisiológico.
E neste ponto a concepção psicopatológica tomista se encontra com a concepção etiopatogênica
neurobiológica, que entende as doenças mentais como fruto de desequilíbrios dos neurotransmissores,
nas sinapses nervosas. Com a diferença de que esta última limita-se a constatar, inclusive
laboratorialmente, tais desajustes neuroquímicos, enquanto que a tomista procura entender o que os
provoca. O que tem inegáveis consequências do ponto de vista diagnóstico e terapêutico.
Esta retroatividade do funcionamento mental desajustado sobre o organismo é, aliás, um dos
princípios básicos da Medicina Psicossomática, como a leitura tanto dos já mencionados autores,
quanto de quaisquer outros dessa corrente poderá comprovar. Paiva e Silva (1994, p. 4), por exemplo,
definem a Medicina Psicossomática como "o estudo pormenorizado da correlação íntima entre o
psiquismo e as manifestações orgânicas ou funcionais, incluindo reações individuais a certas doenças
assim como as implicações pessoais e a sua conduta social, motivadas pela doença". Esse é o princípio
pelo qual uma dieta inadequada, ou uma reação desajustada diante das diversas formas de stress do
cotidiano pode levar a doenças como diabetes, hipertensão, gastro ou cardiopatias, bem como a
diversos tipos de enfermidades mentais.
A concepção tomista levanta, ademais, uma interessante questão. Quais serão os efeitos do
desequilíbrio das potências humanas e da consequente desordem do processo cognitivo-volitivocomportamental sobre a produção e a metabolização dos neuro-transmissores? Não seria este um
instigante campo de pesquisa para a Psiquiatria biológica? Os aportes teóricos da Psicologia Tomista
não poderiam ajudar no desenvolvimento desses estudos empíricos?
O enfoque psicológico-tomista da questão permite-nos concluir, portanto, que, além dos casos
de deficiência material neurológica (congênitos, tóxicos, degenerativos ou pós-traumáticos), o que
pode levar à doença mental, ou seja, ao emprego desequilibrado e desequilibrante da inteligência, é
o uso inadequado da vontade.

Essa inadequação se caracteriza pela quebra da hierarquia das
potências, isto é, pela submissão da inteligência aos imperativos dos sentidos, dos instintos e das
emoções.
A essa conclusão chegam mesmo autores não tomistas, ainda que por vias de raciocínio não
escolásticas. Alónso-Fernández, por exemplo, a corrobora quando diz que:
É preciso captar algum denominador comum válido para a coleção dos diversos
modos de enfermar psiquicamente. Um ser psiquicamente enfermo, em sentido, ao
mesmo tempo, doutrinal e clínico, é aquele que perdeu a liberdade de escolher e conduzirse, ao menos em um setor da norma (ALONSO-FERNÁNDEZ, 1979, v. 1, p. 29, tradução
nossa, itálicos do original).

Este mesmo autor consigna opiniões semelhantes de outros especialistas quando recorda que
"Não falta razão a Ey (1948) para definir a psiquiatria como a patologia da liberdade" (ALONSOFERNÁNDEZ, 1979, v. 1, p. 29, tradução nossa), ou quando refere o que "diz LÓPEZ IBOR: `A
enfermidade tem a ver com a verdade, dizia v. WEIZSAECKER. Mais que com a verdade, tem a ver
com a liberdade, com essa liberdade que tem o homem normal de dispor de si mesmo'" (ALONSOFERNÁNDEZ, 1979, v. 1, p. 29, tradução nossa, maiúsculas do original).
Pode-se afirmar também que, segundo a concepção tomista, até certo ponto há uma espécie
de continuum entre a opção voluntária pelo bem, 14 pelo verdadeiro e pelo belo, portanto pela
participação no ser e nos seus transcendentais, 15 e o equilíbrio mental, enquanto que, inversamente,
há também uma continuidade entre as opções inversas e o desequilíbrio mental.
Convém ressaltar que não se trata sempre, e por isso dizemos `até certo ponto', de uma
questão de culpabilidade moral objetiva. Esta é uma questão muito mais complexa, e que envolve
vários outros enfoques, tais como o teológico, o sociológico, o antropológico, o cultural, etc. Pois as
escolhas ético-volitivas pessoais sofrem influências de fatores tão diversos como a formação do
caráter, as influências educacionais, do ethos social e familiar, 16 das interações sociais, da força do
hábito, dos costumes, da cultura, das pressões do ambiente.
Sem entrar no mérito da questão, portanto, convém recordar que, exceto nas doenças mentais
de origem pura ou predominantemente orgânica, como os retardos mentais, epilepsias
ou enfermidades neurodegenerativas, com frequência se pode observar certa noção de responsabilidade
subjetiva, seja por parte dos pacientes, seja de seus familiares ou do seu entorno social. Noção esta
oriunda, da noção subjacente do mau uso da liberdade que lhe confere sua potência volitiva. A prática
da anamnese psiquiátrica ou psicológica, bem como da psicoterapia, permite constatá-lo sem
dificuldade. 17 Constatação esta que deve ser levada em conta tanto do ponto de vista diagnóstico,
quanto do terapêutico.
Convém ressalvar, entretanto, que o fato de um enfermo mental poder ter maior ou menor
grau de responsabilidade no uso inadequado de sua liberdade não significa que a concepção tomista
o considere doente `porque quer'. Tampouco que poderia curar-se a si mesmo se usasse sua força de
vontade, como certos ambientes de cultura popular parecem, por vezes, acreditar.
O enfoque tomista considera, pelo contrário, que justamente pelo fato do enfermo estar
habituado ao uso inadequado de sua vontade, e, portanto, da sua liberdade, estas estarão tanto mais

14

Para evitar mal entendidos, convém recordar que a concepção do Doutor Angélico quanto ao bem e ao mal nada tem
a ver com o maniqueísmo, mas com a maior ou menor participação no ser. Ele associa o bem à essa participação e o mal à
ausência de bem, ou seja, de participação no ser.
15

São Tomás apresenta seus ensinamentos sobre os transcendentais do ser em várias de suas obras, como, por exemplo, no
De Veritate, q. 1, a. 1; q. 21 aa. 1-3, no De potentiis animae, q. 7, a. 2, ad 9; q. 9, a. 7, ad 6, no Commentaria In IV Metaph. lec.
3, n. 566, no Expositio Libri Peryermenias, lect. 3, n. 8, ou em diversas passagens da Summa Theologiae.
16

Sobre este particular, ver, por exemplo, Cavalcanti Neto (2013).

17

Essa percepção de responsabilidade subjetiva, por parte do enfermo mental ou do seu ambiente, ocorre com tal
frequência que foi tomado como pressuposto implícito de pesquisa num estudo multicêntrico conduzido por integrantes do
departamento de Saúde Mental Pública da Áustria, do departamento de Saúde Pública da Universidade de Cagliari, na Itália, dos
de Psiquiatria da Universidade de Medicina de Viena, Áustria, e da Universidade de Greifswald, na Alemanha (ANGERMEYER
et al. , 2011).
debilitadas quanto mais longo e profundo tenha sido esse mau uso.
Considera também que, dada a natureza hilemórfica e social do homem, a doença mental é a
resultante de uma confluência múltipla de variáveis, e que o mencionado mau uso é apenas uma
delas, embora de notável importância. Considerações estas são que também dotadas de importantes
consequências para o diagnóstico e a terapêutica.

APORTES TOMISTAS À COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA
As reflexões que acabamos de fazer podem facilitar a compreensão dos aportes que a Psicologia
Tomista pode prestar à formulação de um diagnóstico ou de hipóteses diagnósticas. Cumpre recordar
que tais aportes nunca dispensam, mas antes pressupõem, a utilização de todos os recursos
diagnósticos clínicos e laboratoriais cientificamente comprovados.
Não pretendemos fazer aqui uma aplicação da concepção tomista a cada uma das enfermidades
mentais atualmente catalogadas porque isto ultrapassaria por completo os objetivos do presente
texto. Por essa razão, cingiremos nossas reflexões a apenas algumas delas, a mero título
exemplificativo, inclusive para que possam servir de estímulo ao desenvolvimento de novas pesquisas
neste campo.
Podemos começar ensaiando a compreensão do processo pelo qual se estabelece um
transtorno neurótico de ansiedade, com base nos pressupostos tomistas. As emoções de inquietude,
impotência, apreensão e mal estar difusos, que costumam ocorrer em quadros clínicos do gênero,
podem ter como consequência a perda de controle dessas emoções.
Este descontrole pode ser provocado por um predomínio da imaginação sobre a avaliação
objetiva da utilidade e/ou nocividade das situações ou objetos que desencadeiam a ansiedade,
avaliação esta primariamente realizada pela cogitativa, e em seguida pela potência intelectiva. O
referido predomínio imaginativo poderá ainda ser coadjuvado e intensificado por uma polarização da
memória e da atenção, fixando-as nos fatores ansiogênicos. Tais interferências sobre a normal função
da cogitativa poderá fazer com que esta dê origem a desregramento do apetite sensitivo, o qual dará
origem a emoções desequilibradas. Estas últimas, por sua vez, retroagirão sobre o conjunto das
potências mencionadas, estabelecendo, assim, um círculo vicioso emocional.
A disfunção dessas potências, tanto individual, quanto conjuntamente, acabará prejudicando o
normal funcionamento do intelecto, em especial nos seus processos de juízos e de raciocínios. Estes
últimos, funcionando desequilibradamente, tenderão a desequilibrar também a avaliação objetiva da
realidade, isto é, da quididade dos objetos conhecidos, que é a função básica do intelecto. Função
esta, entretanto, que, no que diz respeito à quididade, permanecerá preservada, embora a
interpretação que os juízos e inferências lhes dão possa estar alterada. É o que pode acontecer, por
exemplo, com uma pessoa que continue identificando uma casa como casa, embora, influenciada pelo
predomínio da imaginação e da emoção de temor, possa estar julgando erroneamente que ela seja
`mal assombrada', e por isso, sofrendo toda a sequela de sintomas acima mencionados.

Do desequilíbrio da função cognitiva, seja no nível da potência cognitiva, seja da intelectiva,
decorrerá também uma diminuição do domínio da vontade sobre o apetite sensitivo e as emoções, a
que dá origem, as quais, dessa forma, reforçam seu predomínio sobre a inteligência e a vontade,
invertendo cada vez mais a normal hierarquia das potências.
Essa conjunção de desequilíbrios no funcionamento das potências dará origem a atos e hábitos
cada vez mais desajustados,  determinando o surgimento dos distúrbios comportamentais
característicos do quadro clínico considerado. Esses hábitos desequilibrados retroagirão nos novos
atos, os quais influenciarão as mesmas potências, estabelecendo o peculiar círculo vicioso que
frequentemente ocorre nos desequilíbrios emocionais, e a consequente propensão para o agravamento
da sintomatologia. O que pode explicar, ademais, a tendência para a cronicidade que caracteriza esse
gênero de enfermidades.

Poderíamos fazer reflexões análogas para a compreensão etiopatogênica e diagnóstica dos
demais transtornos neuróticos, mas isto ultrapassaria, como já mencionado, os limites do presente
estudo. Cabe-nos, agora, tão somente exemplificar como os pressupostos tomistas podem facilitar a
referida compreensão.
Compreensão esta, entretanto, que não se limita aos transtornos mentais mais leves, mas que
pode ser de utilidade mesmo nos transtornos psicóticos, nos quais, além do desequilíbrio no
funcionamento das potências acima considerado, pode haver também a confluência de fatores
genéticos e ambientais mais intensos. E dada a hilemorficidade do ser humano, tal confluência pode
favorecer uma desestruturação mais profunda e duradoura, debilitando de modo ainda mais grave o
processo cognitivo-volitivo normal.
Esse prejuízo parece ser de tal maneira significativo que não somente o juízo e os raciocínios
se desviam da realidade objetiva, mas, ao menos para o observador externo, até a própria simples
apreensão da quididade parece ser afetada. Um esquizofrênico paranoico em atividade delirante, por
exemplo, pode ver uma casa e identificá-la como disco-voador repleto de alienígenas que o
perseguem, ou outro objeto que não condiga com a realidade.
Convém observar, contudo, que a coerência com os pressupostos tomistas leva a supor que se
trate principalmente de um erro de julgamento e não da apreensão da quididade, que continuaria
intacta in potentia, embora prejudicada pela e

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