Introducción. Durante mucho tiempo, el THDA fue considerado exclusivo de la infancia, sin embargo, desde los años setenta sabemos que persiste también en la edad adulta. Cierto es, que existe un interés creciente en esta patología desde el punto de vista de la investigación, sin embargo, el diagnóstico continua estando poco presente en la práctica clínica.
Caso Clínico. Joven de 26 años, que por iniciativa propia solicita consulta de psiquiatría, por sospechar la existencia de THDA. Describe desde la infancia la presencia de un déficit en la atención con comportamiento impulsivo con repercusión en los diferentes ámbitos de su vida (escolar, laboral y afectivo) asociado a consumos de alcohol y cannabis. Confirmado el diagnóstico de THDA de tipo mixto, hubo un aspecto que llamó nuestra atención, la historia familiar, la presencia de sintomatología compatible con el diagnóstico de THDA en 4 generaciones diferentes. Nuestra paciente es madre de un niño diagnosticado de THDA, y describe los mismos síntomas en su madre y en la abuela materna.
Discusión. Se sabe que en el THDA existe una agregación familiar, y se considera la herencia como principal causa de la enfermedad, con especial destaque para los genes relacionados con el sistema dopaminérgico. En este artículo realizamos una revisión de la literatura internacional sobre el THDA en el adulto, centrándonos en la etiología e intentando aprehender que papel desempeña la historia familiar en esta patología, y en este caso clínico en concreto.
De generación en generación. . . El trastorno de hiperactividad con déficit de atención (THDA), a propósito de un caso clínico.
Ricardo Gil Faria1, Maria Mercedes Mariño2, Aníbal Fonte3
Interno de formação específica em Psiquiatria, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULSAM
Médica especialista em Psiquiatria, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULSAM
Director do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULSAM, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULSAM
Resumen
Introducción
Durante mucho tiempo, el THDA fue considerado exclusivo de la infancia, sin embargo, desde los años setenta sabemos que persiste también en la edad adulta. Cierto es, que existe un interés creciente en esta patología desde el punto de vista de la investigación, sin embargo, el diagnóstico continua estando poco presente en la práctica clínica.
Caso Clínico
Joven de 26 años, que por iniciativa propia solicita consulta de psiquiatría, por sospechar la existencia de THDA. Describe desde la infancia la presencia de un déficit en la atención con comportamiento impulsivo con repercusión en los diferentes ámbitos de su vida (escolar, laboral y afectivo) asociado a consumos de alcohol y cannabis. Confirmado el diagnóstico de THDA de tipo mixto, hubo un aspecto que llamó nuestra atención, la historia familiar, la presencia de sintomatología compatible con el diagnóstico de THDA en 4 generaciones diferentes. Nuestra paciente es madre de un niño diagnosticado de THDA, y describe los mismos síntomas en su madre y en la abuela materna.
Discusión
Se sabe que en el THDA existe una agregación familiar, y se considera la herencia como principal causa de la enfermedad, con especial destaque para los genes relacionados con el sistema dopaminérgico. En este artículo realizamos una revisión de la literatura internacional sobre el THDA en el adulto, centrándonos en la etiología e intentando aprehender que papel desempeña la historia familiar en esta patología, y en este caso clínico en concreto.
From one generation to another… Attention Deficit Hyperactivity Disorder, a case report.
Ricardo Gil Faria1, Maria Mercedes Mariño2, Aníbal Fonte3
Interno de formação específica em Psiquiatria, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULSAM
Médica especialista em Psiquiatria, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULSAM
Director do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULSAM, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULSAM
Abstract
Introduction
Long regarded as a childhood disorder, since the seventies it is known that ADHD may persist into adulthood. Although there is a growing scientific interest on this subject, the diagnosis remains largely ignored in clinical practice.
Case Report
A young woman seeks on her own initiative our Psychiatric consultation, for she fears she may suffer from ADHD. Since childhood she presents with symptoms of inattention and impulsivity, which caused impairment in various settings of her life (school, work and at home). She also reports alcohol and cannabis consumption. After confirming the diagnosis of ADHD Combined Type, there was one particular aspect which drew our attention, the evidence of symptoms consistent with a diagnosis of ADHD in four generations of this family. Our patient has a child diagnosed with ADHD and reports similar symptoms in her mother and maternal grandmother.
Discussion
It is known that ADHD is a family disorder and genetics are considered as its main cause, with particular emphasis on the many genes of the dopaminergic system. This paper presents a review of international literature on ADHD in adults. Highlighting the etiology, we try to understand what role family history plays in this disease, and in this particular case.
Introdução
A Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção (PHDA) é atualmente considerada como uma perturbação neurocomportamental, definida pela persistência de sintomas maladapatativos de hiperatividade/impulsividade e défice de atenção. (1)
Embora atualmente se saiba que a PHDA pode persistir na idade adulta, durante muito tempo considerou-se que esta patologia era exclusiva da infância.
Uma análise mais detalhada da literatura internacional revela-nos que há já quase 4 séculos atrás Molière havia descrito na sua peça de teatro “L'Étourdi ou les Contretemps”, uma personagem adulta com um padrão comportamental compatível com os critérios diagnósticos atuais para PHDA. (2) Se considerarmos literatura científica, a persistência da PHDA na idade adulta havia sido já reconhecida no início do século XX por autores franceses (Phillipp e Paul Boncour), ingleses (Still) e alemães (Kraeplin). (2) Contudo, até cerca de 1972 a doença continuava a ser maioritariamente encarada como exclusiva da infância. (2)
O primeiro estudo clínico sobre a PHDA em adultos foi realizado em 1976 por Wender et al. Nesse estudo identificaram-se 15 indivíduos adultos com sintomatologia compatível com PHDA, que foram medicados com metilfenidato ou antidepressivos tricíclicos. Mais de metade dos doentes demonstraram uma resposta favorável ao tratamento farmacológico. (3)
As primeiras referências à patologia em sistemas diagnósticos internacionais ocorreram na década de 60 do século passado, na 9ª Edição da Classificação Internacional de Doenças (ICD-9, 1965) e na 2ª Edição do Manual Estatístico e diagnóstico de Perturbações Mentais (DSM-2, 1968). (2)
Inicialmente, a PHDA era chamada de síndrome Hipercinético da Infância ou Reação Hipercinética. O termo PHDA foi pela primeira vez utilizado em classificações internacionais em 1987, na DSM-III-TR. A ICD continua a utilizar, até à edição atual (ICD-10), o termo Perturbação Hipercinética para definir a doença. (2) (4).
A avaliação diagnóstica de adultos com PHDA é semelhante à de crianças com a doença. O processo envolve a documentação de sintomas presentes e passados da doença, a avaliação da existência de prejuízo funcional decorrente da sintomatologia, a obtenção de uma história psiquiátrica e do desenvolvimento e a realização de exame físico. (5)
A avaliação da cronicidade da doença, com a obtenção de uma história compatível com o diagnóstico de PHDA na infância é um componente fundamental da avaliação. Como os doentes podem apresentar fraco insight ou dificuldade em recordar a sua sintomatologia e comportamento durante a infância, sempre que possível, deve obter-se informação a partir de outras fontes. Registros e boletins escolares são boas fontes de evidências objetivas do início da doença na infância. (4) (5)
Na DSM-IV-TR a PHDA é classificada como uma perturbação do Eixo 1, e exige a avaliação da sintomatologia atual (nos últimos 6 meses), bem como a presença de sintomas durante a infância (antes dos 7 anos de idade). (4) (5) Os três clusters de sintomas nucleares da PHDA - inatenção, a hiperatividade e a impulsividade - são avaliados por um conjunto de 18 itens, juntamente com outros critérios necessários para o diagnóstico de PHDA. (4)
A DSM-IV-TR reconhece a existência de 3 subtipos da doença baseados na predominância de sintomas de défice de atenção, de hiperatividade/impulsividade ou ainda na combinação de ambos - tipo predominantemente desatento, tipo predominantemente hiperativo-impulsivo e tipo combinado, respetivamente. (2) O tipo predominantemente desatento foi introduzido na DSM-IV, e resultou num aumentou de cerca de 24% no número de indivíduos diagnosticados com a doença, relativamente aos critérios anteriores da DSM-III. (2)
Espera-se que na próxima edição do DSM-V, seja incluído um quarto subtipo - “inattentive-restrictive”, caracterizado quase exclusivamente por sintomas de défice de atenção, com sintomas de hiperatividade mínimos. (2)
Os critérios para diagnóstico da doença são globalmente semelhantes em ambos os sistemas diagnósticos (DSM-IV-TR e ICD-10). As principais diferenças centram-se no facto da ICD-10 não reconhecer subtipos da doença e dos seus critérios diagnósticos serem mais restritos do que os da DSM-IV-TR. A ICD-10 requere que ambos os grupos de sintomas (desatento e hiperativo/impulsivo) estejam presentes para que se realize o diagnóstico. (2) (4)
Estudos realizados em crianças demonstraram que a prevalência de PHDA difere de acordo com os critérios utilizados (DSM-III, DSM-IV, ou ICD-10). Deste modo, verificou-se que todas as crianças diagnosticadas de acordo com a ICD-10 enquadravam-se nos critérios diagnósticos da DSM-IV-TR. Já o inverso não é observado, pois os critérios da ICD-10 excluem crianças diagnosticadas de acordo com a DSM-IV-TR. (2) (4)
A qualidade de vida de adultos com PHDA é afetada pelas consequências da doença, tais como a menor probabilidade de completar o Ensino Superior, um aumento de 2 vezes do risco de divórcio ou separação, mudanças frequentes de emprego e menores rendimentos, comparativamente com adultos sem a doença. (1) (6)
A PHDA está frequentemente associada a uma série de perturbações comórbidas como Perturbações do humor e da Ansiedade. (1) A presença de Perturbações da Personalidade do cluster B, nomeadamente Perturbação Borderline e Perturbação Antissocial, também se associa ao diagnóstico de PHDA. (5) (7) O tabagismo é frequente em adultos com PHDA, e existe um risco aumentado de abuso ou dependência de drogas relativamente à população geral. (5) (7) Adultos com PHDA apresentam muitas vezes uma condução imprudente, o que se associa a um aumento do risco de acidentes de viação. (5) (7)
Hoje em dia é claramente aceite que a PHDA pode persistir ao longo da vida, afetando tanto crianças quanto adultos. Estudos recentes demonstram que a PHDA pode ser diagnosticada em adultos com idade igual ou superior a 55 anos. No entanto, ainda há pouca informação sobre a doença nesta faixa etária. (6) (8)
A PHDA é considerada uma patologia relativamente comum na idade adulta, com uma prevalência que varia de 3 a 6%. Estima-se que na infância a prevalência da PHDA seja de cerca de 5-10%, com uma persistência para a idade adulta situada entre os 30 e os 80%. (2) (9)
Segundo um estudo levado a cabo pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2010, a prevalência global de PHDA em adultos e crianças dos 10 países avaliados era de 3, 4%. (9) Os valores obtidos individualmente para cada país variaram de 7, 3% em França até 1, 2% em Espanha. (9) A persistência para a idade adulta também foi analisada, sendo estimada em cerca de 50% na amostra global. (9) Itália registou o valor de persistência mais elevado do grupo, com 84, 1%, enquanto o México obteve o valor mais baixo, com 32, 85%. (9) Em Espanha registou-se uma persistência da PHDA para a idade adulta de 33, 6%. (9)
Embora a PHDA se associe a um padrão distinto de dificuldades em cada etapa da vida, existem evidências de um impacto negativo acumulativo ao longo da vida sobretudo no que respeita a realizações profissionais, suporte social, estabilidade económica e bem-estar emocional. (5) (6)
Os deficits da atenção são evidentes nas dificuldades em manter a concentração por longos períodos de tempo, em organizar tarefas, atribuir prioridades e em gerir o tempo. (4) A impulsividade pode originar consequências graves na vida adulta, tais como condução imprudente, mudanças frequentes de emprego ou o fim de relações interpessoais importantes. (4) Pelo contrário, a hiperatividade pode passar despercebida em adultos, uma vez que a inquietação pode ser sentida ao invés de manifestada no comportamento. (4)
No entanto, os sintomas nucleares da PHDA são apenas responsáveis por parte dos problemas com que os adultos com esta patologia se deparam na sua vida diária. Instabilidade temperamental, reação exagerada às frustrações e baixa motivação são frequentemente referidos, e podem constituir como um maior obstáculo ao funcionamento diário do que os sintomas nucleares. (4)
O impacto funcional da PHDA pode ser difícil de avaliar, uma vez que fatores compensadores, como a capacidade intelectual e o suporte familiar e social podem mascarar os prejuízos decorrentes da doença. No entanto, para o diagnóstico de PHDA é essencial que o indivíduo funcione a um nível claramente inferior ao de indivíduos com idade e contexto educacional semelhantes. (4)
De seguida passamos a descrever um caso clínico referenciado à consulta de Psiquiatria, que pensamos exemplificar muitos dos aspetos relativos à PHDA no adulto.
Caso Clínico
Identificação
A. M. , jovem de 28 anos de idade do sexo feminino. Solteira, tem um 1 filho de 5 anos. Viveu cerca de 2 anos e meio em união de facto com o pai do seu filho. Separaram-se há cerca de 4 anos atrás. Atualmente vive com o filho, avó e tia maternas. Trabalha como empregada de café.
Motivo de Consulta
Doente orientada para a Consulta Externa (CE) de Psiquiatria pela sua Médica de Família (MF), por suspeita de Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) no Adulto.
História da Doença Atual
Desde que o filho da doente foi diagnosticado com PHDA, que esta pensa que poderá sofrer da mesma doença, uma vez que se revê nos comportamentos e sintomatologia do filho. Por este motivo recorreu à sua MF e pediu para ser orientada para a CE de Psiquiatria.
Em relação à sua própria doença, A. M. refere que sempre foi uma pessoa muito desorganizada que se distrai facilmente. Tem dificuldade em estabelecer prioridades, acabando por iniciar múltiplas tarefas em simultâneo e não terminar convenientemente nenhuma. Geralmente quando inicia uma tarefa entusiasma-se excessivamente, mas rapidamente se aborrece. Estas dificuldades de organização e planeamento provocam-lhe prejuízos em várias áreas da vida, nomeadamente nas tarefas do dia-a-dia e na atividade laboral. A. M. expressa um receio constante de fracassar e de não ser capaz de desempenhar os seus deveres profissionais e o seu papel como mãe.
Durante a infância era uma criança muito irrequieta, e a mãe chegou a medicá-la com “calmantes” (sic). A doente recorda-se de ter frequentado várias atividades extracurriculares (música, ballet, desportos de grupo, artes marciais…). Embora inicialmente se mostrasse entusiasmada com as atividades, esse interesse rapidamente desvanecia e acabava por se interessar por uma outra atividade.
Ao longo do seu percurso académico, sempre apresentou muitos problemas de atenção. Os professores do Ensino Básico e Secundário consideravam-na inteligente, e embora achassem que tinha capacidades para ser melhor aluna, a verdade é que nunca reprovou de ano letivo. Os prejuízos no seu funcionamento académico tornaram-se mais evidentes quando ingressou no Ensino Superior em Engenharia Química. As dificuldades, sobretudo na atenção mantiveram-se, e como as exigências eram maiores, surgiram resultados académicos insuficientes. Apresentou duas reprovações de ano em quatro anos letivos. Acabou por pedir transferência para um outro estabelecimento de ensino, e passado um ano abandonou definitivamente os estudos.
A impulsividade da doente, com variações do humor súbitas mas de curta duração, já lhe acarretou problemas nos relacionamentos interpessoais, sendo responsável pelo fim de amizades ou relacionamentos amorosos. A. M. viveu cerca de dois anos e meio em união de facto com o pai do seu filho. Refere discussões frequentes e que ele a criticava muito, devido à sua desorganização e impulsividade.
Desde a infância até à idade adulta, apresentou episódios recorrentes com sintomatologia ansiosa e depressiva. Aos 13 anos realizou uma tentativa de suicídio por ingestão medicamentosa – “era muito difícil suportar as críticas por ser como era” (sic). Aos 21 anos, após o falecimento da mãe, foi observada e medicada por Psiquiatria, por Episódio Depressivo Major. Desde aí apresentou outros episódios com sintomatologia depressiva menos intensa, tendo sido medicada com fármacos antidepressivos pelo seu MF.
História Pessoal Médica
Miopia. Sem outros antecedentes de relevo.
História de Consumo de Substâncias
Refere consumir esporadicamente tabaco e álcool. Nega consumo atual de outras drogas. Consumo esporádico de haxixe durante a adolescência.
História Familiar
Como já foi referido anteriormente, o filho da doente foi diagnosticado com PHDA e é acompanhado em CE de Pediatria do Desenvolvimento e em CE de Psicologia. Está medicado com metilfenidato 10 mg por dia.
A. M. refere que tanto a sua mãe como a avó materna apresentavam sintomas semelhantes aos que ela e o filho apresentam. A doente pensa que ambas também teriam PHDA.
A mãe da doente faleceu há cerca de 7 anos atrás, por complicações de patologia pulmonar - Bronquiectasias. A. M. descreve-a como muito desorganizada, distraída e impulsiva. Exemplifica com o facto de a mãe ter bastante dificuldade em planificar e realizar adequadamente as tarefas domésticas e perder frequentemente objetos, como as chaves de casa. Acrescenta ainda que esta se envolvia frequentemente em acidentes de viação.
À semelhança da doente e da sua mãe também a avó seria desde sempre muito distraída e desorganizada, apresentando dificuldades na realização das tarefas domésticas que frequentemente não completava. A avó apresentaria ainda sintomas proeminentes de inquietação. Faleceu com 87 anos de idade pouco após a primeira CE de Psiquiatria de A. M. .
Dentro da família destaca-se ainda a figura do pai da doente que apresenta sintomatologia compatível com o diagnóstico de Perturbação da Personalidade Antissocial. A doente descreve-o como manipulador e calculista. História de pequenos delitos desde a juventude, tendo já sido condenado por várias vezes a pena prisional. Várias relações amorosas de curta duração, tendo quatro filhas de quatro relacionamentos diferentes. Atualmente encontra-se novamente detido.
Personalidade
A doente descreve-se como uma pessoa sociável, com facilidade em travar amizades, extrovertida, impulsiva e distraída.
Ao entrevistador a doente aparenta uma baixa autoestima, com necessidade de aprovação constante por parte dos demais. Insegura e com medo de fracassar. Problemas relativos à autoimagem física. Distrai-se frequentemente durante a entrevista e demonstra uma grande impulsividade nas suas repostas e reações. Inquieta, balouça-se constantemente na cadeira e muda frequentemente de posição.
Exame do Estado Mental na primeira observação
Vígil, colaborante, orientada no tempo, espaço e quanto à identidade pessoal. A atenção é captável espontaneamente, mas distrai-se facilmente com novos estímulos. Idade aparente coincidente com a real. Aparência e vestuário pouco cuidados. Não utiliza maquilhagem, nem quaisquer acessórios. Postura e atitude adequadas durante a entrevista, demonstrando alguma inquietude. Gesticula muito e mexe-se constantemente na cadeira. Bom contato ocular. Mímica facial expressiva. Discurso espontâneo e fluente. Fala clara de velocidade rápida. humor depressivo. Afeto com extensão íntegra e ressonância normal. Sem alterações da perceção. Pensamento lógico, coerente, sem alterações formais ou atividade delirante, mas com conteúdos depressivos. Ideias de morte, sem ideação suicida estruturada.
Evolução na consulta
Descartou-se patologia orgânica cerebral, com a realização de Tomografia Computorizada Crânio-Encefálica (TC-CE), que se revelou normal. Estudo analítico igualmente sem alterações.
Aplicou-se uma escala para avaliação da doença (Adult ADHD Self-Report Scale, ASRS-v1. 1) com resultado compatível com PHDA.
Uma vez que à data da primeira observação a doente apresentava uma Perturbação Depressiva Major em comorbilidade com PHDA do tipo combinado, optou-se por medicar inicialmente com fármaco antidepressivo, tendo em vista a introdução de medicação psicostimulante após a melhoria da sintomatologia depressiva.
A doente vai participar num estudo genético realizado a nível europeu sobre PHDA.
Discussão
Durante a entrevista clínica inicial com A. M. , houve um aspeto principal que prendeu a nossa atenção: o diagnóstico de PHDA no filho da doente, e a existência de sintomatologia compatível com a doença na sua mãe e avó. Isto levou a que nos questionássemos sobre o papel que a história familiar desempenha na etiologia da PHDA.
A agregação familiar da PHDA é conhecida desde a década de 70 do século passado. Estudos dessa época verificaram que 20% das crianças diagnosticadas com PHDA tinham um progenitor com sintomas de hiperatividade na infância. (10) Estudos mais recentes verificaram igualmente um aumento do risco de PHDA nos familiares em primeiro grau de indivíduos com a doença. Na verdade, os últimos vinte anos registaram uma série de descobertas sem precedentes no que diz respeito à etiologia da PHDA. (11) De seguida passamos a apresentar uma revisão da literatura internacional sobre a patofisiologia da PHDA.
Estudos imagiológicos na PHDA
Os estudos imagiológicos relativos à patofisiologia da PHDA centraram-se em áreas cerebrais que se considera estarem envolvidas nos processos da atenção, cognição, controlo motor e motivação/recompensa em indivíduos saudáveis. (11)
Os dados mais consistentes sobre disfunção cerebral na PHDA dizem respeito a uma área do giro do cíngulo, o anterior midcingulate cortex (daMCC). Contudo, a investigação também tem implicado outras áreas cerebrais na patofisiologia da PHDA, nomeadamente o córtex pré-frontal e o córtex parietal. Dentro do córtex pré-frontal, as regiões mais estudadas têm sido o dorsolateral prefrontal cortex (DLPFC) e o ventrolateral prefrontal cortex (VLPFC) (11) De seguida passamos a descrever algumas das alterações descritas na literatura internacional, para cada uma destas áreas cerebrais.
Estudos imagiológicos estruturais descreveram uma diminuição do volume do giro do cíngulo tanto em adultos como em crianças com PHDA. Diminuição esta que foi observada tanto em doentes com PHDA a receberem tratamento com estimulantes, bem como naqueles que nunca haviam recebido qualquer tratamento para a doença. (11)
Estudos imagiológicos funcionais demonstraram uma hipoatividade do daMCC em doentes com PHDA relativamente a controlos saudáveis. (11) Verificou-se ainda que o tratamento com metilfenidato podia provocar um aumento da atividade nesta área do giro do cíngulo. Estes dados sugerem que o tratamento com estimulantes pode normalizar a hipoativação observada no giro do cíngulo em doentes com PHDA. (11) Estudos bioquímicos e eletrofisiológicos vieram reforçar a hipótese dum possível efeito dos estimulantes no giro do cíngulo, ao encontrarem alterações bioquímicas nesta região cerebral após o tratamento com metilfenidato. (11)
Dados de neuroimagem apoiam a hipótese de alterações do córtex pré-frontal lateral estarem envolvidas na patofisiologia da PHDA. Estudos imagiológicos estruturais identificaram uma diminuição específica do volume do córtex pré-frontal lateral em doentes com PHDA. (11) Estudos imagiológicos funcionais observaram uma disfunção do DLPFC e VLPFC na PHDA, e o tratamento com metilfenidato aumentava igualmente a atividade destas áreas do córtex pré-frontal. (11)
O córtex parietal tem sido alvo de menos estudos que as outras áreas corticais já referidas. No entanto sabe-se que este desempenha um papel importante na atenção e no processamento espacial. À semelhança do observado para o giro do cíngulo e córtex pré-frontal, estudos de neuroimagem encontraram igualmente uma hipofunção desta região em doentes com PHDA, bem como o aumento da sua atividade consequente ao tratamento com metilfenidato. (11)
Para além das alterações anatómicas e hipoativação das áreas corticais previamente referidas, evidências crescentes apontam para alterações noutras regiões cerebrais. (12)
Estudos imagiológicos estruturais sugerem uma redução generalizada do volume cerebral, bem como do volume de áreas cerebrais específicas, como os gânglios da base, nomeadamente o núcleo estriado, e o corpo caloso. (12) Uma hipoativação do núcleo estriado também já foi descrita na literatura internacional. (12)
Vários estudos têm relatado anormalidades no cerebelo de crianças com PHDA, nomeadamente diminuição do volume de determinadas áreas do cerebelo relativamente a controlos saudáveis. (12) (13) (14) (15)
Estudos realizados em crianças com PHDA encontraram diferenças morfológicas nos lobos ínfero-posteriores direito e esquerdo do cerebelo, em função do outcome/desenlace clínico. Ou seja, doentes com PHDA com pior outcome clínico apresentavam uma diminuição do tamanho destas áreas do cerebelo comparativamente quer com controlos quer com doentes com melhor outcome clínico. Verificou-se ainda que essas diferenças de tamanho entre grupos se acentuavam de forma progressiva ao longo da adolescência. (15) Outros estudos em crianças com PHDA observaram uma diminuição do tamanho de áreas específicas do vérmis do cerebelo, e encontraram evidências que sugerem que a medicação estimulante pode normalizar o desenvolvimento dessas mesmas áreas. (14)
No entanto, embora os dados anteriormente referidos apoiem a hipótese de um contributo da disfunção de determinadas regiões corticais na patofisiologia da PHDA, os mecanismos exatos de como esta disfunção provoca o aparecimento da sintomatologia da PHDA ainda é desconhecida. (11)
Desregulação catecolaminérgica na PHDA
A desregulação da neurotransmissão dopaminérgica e noradrenérgica tem sido amplamente implicada na patofisiologia da PHDA. A dopamina e a noradrenalina encontram-se intimamente ligadas de modo que o metabolismo da primeiro origina a segunda. (16) A noradrenalina atua em 3 famílias de recetores: alfa1, alfa2 e beta (1, 2, 3), enquanto a dopamina tem 5 recetores específicos conhecidos, de D1 a D5. (17) Ambas as catecolaminas desempenham um papel crucial nas funções executivas dependentes do córtex pré-frontal. Funções estas que se pensa estarem alteradas em doentes com PHDA. (16)
Alterações genéticas nas vias catecolaminérgicas podem contribuir para a desregulação dos circuitos neuronais observada na PHDA. (17) Inicialmente, os estudos genéticos focaram-se nos genes envolvidos na transmissão dopaminérgica, e encontraram associações com o transportador da dopamina (DAT), bem como com os seus recetores D1, D4 e D5. Investigação mais recente encontrou também associações com os genes da noradrenalina, incluindo a enzima que sintetiza a noradrenalina (dopamine beta hydroxylase, DBH), o transportador da noradrenalina, e o seu recetor alfa-2a. (17) (18)
Estudos com recurso a Tomografia por Emissão de Positrões (PET) e a Tomografia Computorizada por Emissão de Fotão Único (SPECT) avaliaram a densidade e distribuição in vivo dos neurotransmissores, bem como dos seus recetores e transportadores, quer em condições basais, quer em resposta a estímulos farmacológicos. (16)
De seguida vamos especificar alguns dos achados deste tipo de estudos sobre as catecolaminas na PHDA.
Como o DAT é o principal alvo da medicação estimulante utilizada para tratar a PHDA, a investigação inicial centrou-se neste marcador. Estudos iniciais encontraram um aumento da densidade do DAT em doentes com PHDA. Chegando-se mesmo a acreditar que um aumento dos níveis de DAT poderia constituir um marcador diagnóstico para PHDA. Recentemente estudos com PET demonstraram uma diminuição deste transportador em regiões subcorticais, incluindo os gânglios da base e o mesencéfalo. As explicações possíveis para estas diferenças entre estudos parecem inconsistentes, sendo necessária investigação futura para esclarecer convenientemente estes aspetos. (16)
A investigação sobre os recetores D2/D3 está em grande parte restrita a áreas cerebrais, com densidade relativamente elevada dos mesmos, como o núcleo estriado. Uma área com baixa densidade de recetores onde se pensa que a transmissão catecolaminérgica inadequada desempenhe um papel de destaque na PHDA é o córtex pré-frontal. (16)
Embora se considere que a disfunção dopaminérgica desempenha um papel central na compreensão da neurobiologia e do tratamento farmacológico da PHDA, também se tem implicado uma potencial contribuição da noradrenalina na patofisiologia da doença. (16)
Os neurónios noradrenérgicos originam-se sobretudo do locus coeruleus, e enviam projeções para várias áreas do cérebro como o córtex pré-frontal, que está envolvido em processos cognitivos que estão prejudicados na PHDA. Por outro lado, os neurónios noradrenérgicos enviam poucas projeções para o núcleo estriado. Por este motivo, a noradrenalina está pouco implicada em qualquer alteração do núcleo estriado observada na PHDA ou nos efeitos dos estimulantes neste gânglio da base. (16)
Todas as medicações disponíveis para o tratamento da PHDA, exercem as suas funções através do aumento da transmissão catecolaminérgica. (17) O metilfenidato aumenta os níveis extrassináticos de dopamina e noradrenalina através do bloqueio da sua recaptação. (16) Embora o fármaco seja muitas vezes referido como seletivo para a dopamina, verifica-se que no córtex pré-frontal o fármaco provoca um aumento superior da noradrenalina relativamente à dopamina. (17)
Observou-se que doses terapêuticas de metilfenidato bloqueavam mais de 50% do DAT em indivíduos saudáveis, com um consequente aumento dos níveis extracelulares de dopamina no núcleo estriado. (16) Estudos recentes em roedores demonstraram que doses baixas de metilfenidato provocavam um aumento da libertação de noradrenalina e dopamina no córtex pré-frontal, e deste modo reduziam a atividade motora e melhoravam a memória de trabalho e a atenção. Acredita-se que o mesmo fenómeno possa acontecer em humanos. (17)
Inicialmente, considerava-se que os estimulantes exerciam um efeito calmante paradoxal em crianças hiperativas, devido a um deficit neurológico ou bioquímico subjacente. Atualmente, um crescendo de evidências sugere que os efeitos dos estimulantes podem ser melhor entendidos em termos das suas ações muitas vezes semelhantes em indivíduos saudáveis. Vários estudos revelaram uma melhoria das funções executivas frontais em crianças e adultos saudáveis decorrentes da medicação com metilfenidato, de modo análogo ao que ocorre em doentes diagnosticados com PHDA. Isto revela que os efeitos do metilfenidato não são patognomónicos para PHDA. (16)
A complexa relação entre o desempenho funcional e medicação psicostimulante tem sido interpretada de acordo com a hipótese de uma curva em forma de U invertido, em que níveis “ótimos” de catecolaminas determinam um desempenho “ótimo” e níveis de catecolaminas superiores ou inferiores ao “ótimo” associam-se a prejuízos funcionais. Deste modo, os efeitos cognitivos e comportamentais dos estimulantes podem ser melhor preditos pelos níveis basais de catecolaminas, com os fármacos a funcionarem como potenciadores cognitivos apenas nos indivíduos com estados hipocatecolaminérgicos. (16)
A estimulação dos recetores D1 da dopamina no córtex pré-frontal desencadeia uma resposta, dependente da dose, na atenção e na memória de trabalho. Uma estimulação modesta dos recetores D1 é essencial para o funcionamento do córtex pré-frontal, enquanto níveis elevados de dopamina, por exemplo durante exposição ao stress, prejudicam a memória de trabalho. A nível celular ocorre um fenómeno semelhante, pois níveis moderados de estimulação do recetor D1 suprimem o processamento neuronal de informação irrelevante. A estimulação elevada do recetor D1 diminui igualmente os sinais relevantes, produzindo uma supressão não específica da sinalização celular. (17)
Tal como foi descrito para a dopamina, verifica-se que a noradrenalina também apresenta diferentes efeitos cognitivos em função dos seus níveis e dos recetores em que atua. Desta forma, níveis moderados de noradrenalina melhoram a função do córtex pré-frontal através da ação nos recetores pós-sinápticos alfa-2a, enquanto níveis elevados do neurotransmissor, como os libertados durante o stress extremo, prejudicam a memória de trabalho através da ação em recetores alfa-1 e beta-1. (16) (17)
Estudos genéticos em humanos indicam resultados semelhantes. Uma mutação na enzima catalítica da dopamina - COMT, provoca uma menor atividade enzimática, e consequentemente maiores níveis de dopamina. Em condições basais, indivíduos com esta substituição têm melhor memória de trabalho e uma ativação do córtex pré-frontal mais eficiente do que aqueles sem a mutação. Contudo, após a exposição ao stress ou a psicostimulantes, esses indivíduos apresentam uma diminuição no desempenho cognitivo (presumivelmente devido a excessiva estimulação dopaminérgica), enquanto os indivíduos com a enzima nativa demonstram uma melhoria do desempenho (presumivelmente devido a níveis de dopamina mais “ótimos”). (17)
Verifica-se então que doses excessivas de medicação podem provocar inflexibilidade cognitiva através de uma estimulação excessiva dos recetores alfa1, beta1 e D1. (17)
É necessária mais investigação sobre as alterações da dopamina e da noradrenalina na PHDA, bem como os efeitos dos fármacos estimulantes sobre as catecolaminas. No entanto, os dados disponíveis permitem-nos presumir que efeitos das catecolaminas na PHDA envolvam um misto de ações dopaminérgicas e noradrenérgicas a nível cortical, sobretudo do córtex pré-frontal, e de efeitos dopaminérgicos nas regiões subcorticais, como os gânglios da base. (16)
Genes e ambiente na PHDA
Um aspeto importante para o futuro é o reconhecimento que a PHDA não é necessariamente uma perturbação genética no sentido simplista em que anteriormente se acreditava. Até recentemente, considerava-se que os efeitos genéticos refletiam a estrutura do ADN, e que eram portanto inatos ao indivíduo. Atualmente sabe-se que existe uma interação significativa entre os genes e o ambiente. Ou seja, experiências precoces, provavelmente até anteriores ao nascimento, podem alterar a expressão genética, de forma variável, em indivíduos suscetíveis. (19) Dados ainda limitados sugerem que esta interação gene-ambiente também ocorre na PHDA. (20)
A investigação genética sobre a PHDA começou com o achado de que a hiperatividade tendia a demonstrar uma agregação familiar. (21) O primeiro estudo realizado em gémeos sobre a hereditabilidade da hiperatividade foi publicado em 1973, e os primeiros dados representativos foram obtidos no final da década de oitenta. Estes estudos estimavam que os efeitos genéticos fossem responsáveis por cerca de 75% da variância para a hiperatividade e dificuldades de atenção. (22)
Estudos de adoção revelaram uma maior percentagem de PHDA nos pais biológicos do que nos pais adotivos de crianças com PHDA, indicando de igual modo uma etiologia genética para a patologia. (22)
Estudos familiares mais recentes descreveram um aumento da PHDA entre os pais e irmãos de crianças diagnosticadas com a doença. Bem como, um risco marcadamente aumentado de PHDA (57%) para os filhos de adultos com PHDA. (21) Atualmente, os estudos com gémeos em crianças e adolescentes com PHDA continuam a revelar um forte componente genético para a patologia, de cerca de 70-80%. (22)
Apesar do fortíssimo e inegável contributo genético para a PHDA, atualmente considera-se que também existem fatores ambientais envolvidos na etiologia da doença. Dentro destes últimos, adquirem particular relevância aqueles que ocorrem durante os períodos pré e perinatal, e que como tal podem influenciar o neurodesenvolvimento. (23)
A literatura sobre fatores de risco para PHDA em crianças é bastante extensa. A PHDA na infância associa-se a uma série de fatores como tabagismo, abuso de álcool e distress psicológico durante a gravidez, a complicações obstétricas como eclâmpsia, hemorragias, trabalho de parto prolongado e parto pré-termo, a baixo peso à nascença na criança e ao estatuto socioeconómico dos pais. (23)
Estudos populacionais nos últimos 5 anos identificaram a exposição pré-natal ou no início da vida a pesticidas presentes no lar, como fatores de risco para PHDA e atrasos ligeiros no desenvolvimento cognitivo. Estes efeitos são modulados pelo genótipo, porque o gene da paraoxynase 1 (PON1) regula o metabolismo dos organofosfatos. (20) Vários estudos encontraram uma correlação entre PHDA e níveis séricos de chumbo, mesmo quando esses níveis se encontram no dentro dos limites atuais de segurança. (20)
Por outro lado, ainda se tem pouca informação acerca dos fatores que predizem a persistência da PHDA para a idade adulta. (23) No entanto, verifica-se um interesse crescente a nível da investigação internacional sob este assunto.
Um estudo, publicado em 2012, avaliou retrospetivamente fatores pré e perinatais em doentes adultos com PHDA bem como em adultos saudáveis. Verificou-se que condições desfavoráveis durante a vida fetal aumentavam o risco de PHDA até 40 anos após o nascimento. Restrição do crescimento intrauterino, parto pré-termo, baixo peso à nascença e baixo Índice de Apgar estiveram todos associados a um aumento do risco de PHDA na idade adulta. (23)
Em 2009, a OMS levou a cabo um estudo internacional com o objetivo de identificar fatores presentes em crianças com PHDA, que pudessem predizer a persistência da patologia para a idade adulta. Verificou-se que os fatores de risco mais fortemente associados à persistência da PHDA foram: história familiar de PHDA, comorbilidade com outras perturbações na infância (sobretudo perturbação de conduta) e adversidade psicossocial na infância (sobretudo o presença de Perturbação da Personalidade Antissocial nos pais). (9) Concluiu-se ainda que a persistência da patologia é maior para o subtipo Misto (84, 5%), e menor para o subtipo impulsivo-hiperativo (29%), e que a gravidade da PHDA na infância está significativamente associada com a persistência na idade adulta. (9)
Por outro lado, estudos sugerem que o risco de PHDA é maior nos familiares de doentes em que a patologia persiste para além da infância. (21) Verifica-se que os irmãos de adultos diagnosticados com a PHDA têm maior risco de apresentarem a doença, comparativamente com os irmãos de crianças diagnosticadas com PHDA. (21) Outros estudos de follow-up, que acompanharam crianças com PHDA até à adolescência, referem que a prevalência da doença está significativamente aumentada entre pais e irmãos daquelas crianças em que a patologia persistiu, comparativamente com os familiares das crianças em que a patologia remitiu. (21) Em conjunto, estes dados vêm reforçar o papel que a história familiar desempenha na etiologia da PHDA.
Curiosamente demonstrou-se que as estimativas de hereditabilidade na PHDA eram menores entre adultos do que entre crianças com a doença. (23) De facto, estudos recentes apenas indicam um componente genético de 30-40% para a PHDA em adultos, contrariamente aos 70-80% referidos anteriormente para a PHDA na infância. (21) (23) Pensa-se que estas diferenças na hereditabilidade possam dever-se a diferenças metodológicas entre os estudos realizados em crianças e em adultos. (21) No entanto, são necessários mais dados para esclarecer convenientemente estas discrepâncias, nomeadamente qual o papel que os fatores de risco ambientais desempenham na PHDA ao longo da vida. (21)
A investigação genética realizada em adultos com PHDA implicou alguns dos mesmos genes descritos anteriormente em crianças com a doença. Contudo, em alguns destes casos os alelos identificados eram diferentes, enquanto noutros foram mesmo descritos novos genes (latrophilin 3 - LPHN3 e cadherin 13 - CDH13) comparativamente com estudos realizados em crianças com PHDA. (22) (23) Estes dados sugerem que a etiologia da PHDA persistente no adulto possa ser diferente daquele que remite durante a infância. (23)
Comentário ao Caso Clínico
Verificamos que a história apresentada no caso clínico exemplifica muitos dos aspetos relativos à PHDA anteriormente referidos, nomeadamente os prejuízos associados à doença. A. M. não terminou o Ensino Superior, apesar de ter claramente condições quer económicas, quer intelectuais para o fazer. Podemos supor que a morte da mãe poderá ter contribuído para este facto, uma vez que o suporte familiar e social contribui muitas vezes para mascarar os deficits decorrentes da doença. A doente refere que a mãe era o seu grande suporte dentro da família, e é natural que quando esta faleceu algumas suas “fragilidades” tenham ficado mais expostas. No entanto, é inegável que A. M. já apresentava sintomatologia compatível com a PHDA, bem como prejuízos decorrentes da doença, longa data antes do falecimento de sua mãe. As relações interpessoais foram uma área da sua vida que ficou fortemente comprometida até ao momento atual. Na nossa opinião, esta “instabilidade” nos relacionamentos é muito devida à impulsividade de A. M. , bem notória durante as entrevistas clínicas.
As comorbilidades associadas com a PHDA, também são evidentes nesta história. Quer seja o consumo de haxixe durante a adolescência da doente, quer sejam os frequentes acidentes de viação da sua mãe. A verdade é que é inegável um aumento do risco de certos “comportamentos de risco”, que se associam à procura de novidade e à impulsividade observada na PHDA. Quando a doente foi observada pela primeira vez em CE, apresentava uma Perturbação Depressiva Major em comorbilidade com PHDA. A literatura refere que algumas comorbilidades devem ser tratadas antes da PHDA (ex. Depressão aguda ou ataques de pânico proeminentes), enquanto noutros casos a comorbilidade não será tratada até que se tratem os sintomas nucleares de PHDA (ex. perturbação de ansiedade generalizada secundária ou distimia). (4) Neste caso em particular optamos por tratar primeiro a sintomatologia depressiva, com o objetivo de posteriormente introduzir metilfenidato. O falecimento da avó da doente veio agravar ainda mais os seus sintomas, pelo que ainda não foi possível iniciar a medicação psicostimulante.
Relativamente à história familiar de PHDA, somos conscientes de um handicap do nosso caso clínico: o facto de não nos ser possível avaliar clinicamente a presença, ou não, de patologia na mãe e na avó da nossa doente. Quando A. M. veio à consulta pela primeira vez, a sua mãe já havia falecido vários anos antes. Tínhamos perspetivado entrevistar a avó da doente, mas esta veio a falecer pouco tempo depois. Neste sentido, somos “forçados” a contar com a informação fornecida por A. M. , em termos da sintomatologia da sua mãe e avó materna. Sabemos que os pais de crianças com PHDA podem exagerar no relato de sintomas e características da doença em terceiros, devido ao aumento da sua “sensibilidade” para este tipo de sintomatologia. (10) No entanto, mesmo deixando de parte a mãe e a avó da doente, tanto A. M. como o seu filho têm um diagnóstico estabelecido de PHDA, o que sugere uma agregação familiar da PHDA nesta família. Um aspeto interessante seria distinguir entre o que é inato do que é aprendido nesta família, uma vez que se sabe existir um crescimento por imitação dentro das famílias. Contudo esta distinção será difícil, ou mesmo impossível, uma vez que se considera que uma interação entre genes e ambiente conflui na origem da patologia.
Uma outra limitação, não só do nosso estudo mas da avaliação diagnóstica da doença em adultos, prende-se com o facto dos critérios para PHDA da DSM-IV-TR, terem sido desenvolvidos para crianças. Estudos demonstram que os sintomas em adultos são mais subtis e heterogéneos. Deste modo, espera-se que no futuro se desenvolvam critérios específicos mais apropriados para adultos. (9) (20)
Conclusão
Os avanços recentemente verificados na investigação da PHDA possibilitam novas e fantásticas possibilidades para o futuro. Até agora, nem os estudos neuro-imagiológicos, nem os estudos genéticos contribuíram para melhorar a prática clínica. No entanto, pensa-se que este facto pode mudar a qualquer momento. Vários grupos de investigação tentam encontrar classificadores imagiológicos que permitam diferenciar indivíduos com PHDA de controlos saudáveis. (24) (25) No futuro, espera-se que estes esforços resultem em ferramentas quantitativas que possam auxiliar no diagnóstico de PHDA, com base na caracterização da neurobiologia subjacente. Para finalizar, gostaríamos de salientar um aspeto que nos parece interessante, o facto de na próxima edição do DSM (DSM-V), a PHDA passar a ser categorizada como uma perturbação do neurodesenvolvimento (20), o que, em certa medida, corresponde a um regresso ao conceito inicial da doença, quando esta era considerada como resultante de lesões cerebrais mínimas.
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